A etapa inicial do diagnóstico neuropsicológico consiste na descrição dos sinais e sintomas e, eventualmente, na caracterização de uma síndrome ou padrão de dissociação funcional. Os sintomas dizem respeito à percepção que o paciente e seus familiares têm dos problemas que motivaram a consulta, enquanto os sinais correspondem aos sintomas objetivados pelo referencial científico do profissional. As síndromes são conjuntos de sintomas e sinais que ocorrem com uma freqüência maior do que o acaso. O conceito de síndrome, focalizando as associações entre sintomas e sinais, caiu na neuropsicologia cognitiva (Benedet, 2002; Ellis e Young, 1997; Shallice, 1988), apesar de continuar influente na neurologia. Em vez das síndromes, a neuropsicologia cognitiva enfatiza as dissociações entre funções comprometidas e preservadas. Mas tanto associações quanto dissociações nos padrões de desempenho são processos de reconhecimento de padrões, o que constitui a essência do diagnóstico. Na etapa inicial do diagnóstico neuropsicológico, os sinais e sintomas precisam ser caracterizados funcionalmente. Enquanto na medicina o referencial utilizado é o fisiopatológico, na neuropsicologia cognitiva trabalha-se com modelos de processamento de informação. Os sinais e sintomas passam a ser interpretados, então, em termos de comprometimentos de representações e processos computacionais diagramados por intermédio de um fluxograma. A utilização de modelos de processamento de informação confere poder preditivo e explicativo aos resultados da investigação cognitivo neuropsicológica (Benedet, 2002).
Os testes neuropsicológicos são extremamente importantes. É melhor dispor de testes neuropsicológicos validados do que ressentir-se da sua falta. No entanto, esses instrumentos não são suficientes para garantir a validade do diagnóstico neuropsicológico, o qual é um processo inferencial que se assenta em um tripé constituído pela epidemiologia clínica neuropsiquiátrica, psicometria e correlações anátomo clínicas. Para que a avaliação neuropsicológica não se reduza a um procedimento mecânico de aplicação de testes, levantamento de escores e comparação com normas populacionais validadas, e se transforme em um processo de teste de hipóteses, há necessidade de se empregar um modelo de correlação estrutura-função, ou seja, um “sistema nervoso conceitual”. No qual hipóteses são geradas e testadas a partir dos dados clínicos, e os resultados são interpretados à luz de um modelo de correlação estrutura-função. Os modelos cognitivos de processamento de informação permitem uma operacionalização mais precisa e quantitativa dos sintomas e sinais decorrentes de lesões cerebrais, constituindo o elo mediador entre as queixas subjetivas do paciente e da família, os transtornos comportamentais objetivamente observáveis e a base anátomo-funcional perturbada pelos processos patológicos.
Funcionalmente, o modelo cognitivo propõe uma analogia da mente-cérebro humana com um computador digital. Os mecanismos perceptivos representam as operações de input e as ações internas ou externas, as operações de output. A cognição constitui-se de tudo o que ocorre entre o input e o output.
Do ponto de vista estrutural, as funções mentais podem ser classificadas em materiais e formais. As funções materiais são representadas modularmente no córtex cerebral e nos núcleos cinzentos subcorticais. Um exemplo típico de comprometimento das funções materiais são as síndromes neuropsicológicas clássicas, decorrentes de lesões focais corticais ou subcorticais. As funções formais, por outro lado, são representadas pelos processos de ativação, implementados pelas estruturas do tronco cerebral e do prosencéfalo basal, bem como pelas funções cronométricas, as quais dizem respeito à organização temporal do comportamento e são implementadas pelos circuitos reentrantes entre áreas corticais espacialmente segregadas e alças reverberantes córtico subcorticais. A perturbação das funções de ativação se exprime por sintomas de apatia ou hiperexcitabilidade. Já a disfunção das operações cronométricas interfere nas operações da memória de trabalho, a qual é definida pelos conteúdos modulares ativados no período de tempo, correspondente a um ciclo de atividade reeentrante córtico-subcortical.
Até meados da década de 1970, a medicina não dispunha de técnicas não-invasivas de diagnóstico por neuroimagem. A neuropsicologia se desenvolveu, em função das necessidades diagnósticas experimentadas pelos neuropsiquiatras da época. A participação dos psicólogos e o uso de testes psicológicos difundiu-se a partir da década de 1930. As técnicas de neuroimagem estão se aperfeiçoando e começando a buscar sua aplicação na prática clínica. O raciocínio neuropsicológico modificou-se e permanece indispensável naqueles casos em que os exames de neuroimagem não evidenciam lesões macroscópicas, tais como as doenças genéticometabólicas ou as síndromes neurogenéticas. O perfil de desempenho cognitivo de pacientes com uma série de síndromes genéticas está fornecendo pistas aos pesquisadores sobre como procurar alterações mais sutis do tecido cerebral, em nível metabólico, por exemplo (Menon et al., 2004). É de se prever que esses avanços refinem o método de correlação estrutura-função, tornando-o cada vez mais válido e preciso.
Referências
BENEDET, M.J. 2002. Neuropsicologia cognitiva: aplicaciones a la clínica y a la investigación. Fundamento teórico y metodológico de la neuropsicologia cognitiva. Madrí, Instituto de Migraciones y Servicios Sociales (IMSERSO), 601 p.
MENON, V.; LEROUX, J.; WHITE, C.D.; REISS, A.L. 2004. Frontostriatal deficits in fragile X syndrome: Relation to FMR1 gene expression. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 101:3615-3620.
SHALLICE, T. 1988. From neuropsychology to mental structure. Cambridge, Cambridge University Press, 462 p.