Estudos conduzidos pela Unicamp demonstram que nosso padrão de conectividade funcional cerebral pode ser alterado pelo covid-19, reduzindo sua eficiência, até mesmo em casos de quadro leve da doença.
Ainda não publicados, os estudos apresentados pela professora Clarissa Yasuda, professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM-Unicamp) e integrante do Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN), durante o 7º BRAINN Congress, notou importantes alterações nas funções neurais de pacientes curados da Covid-19.
O estudo
A partir de um questionário online realizado no segundo semestre do ano passado realizado com cerca de 2 mil pessoas com a doença confirmada por teste de RT-PCR em todo o país, em que 90% fizeram apenas tratamento domiciliar, foi coletado o relato dos sintomas apresentados pelos participantes cerca de dois meses após o diagnóstico. Os principais sintomas foram fadiga (53,5%), cefaléia (40,3%) e alteração de memória (37%).
Seis meses depois, um novo questionário online foi aplicado e 642 participantes afirmaram ainda apresentar os sintomas tardios – fadiga (59,5%), alterações de memória (54,2%), dificuldade de concentração (47%), sonolência diurna (36,3%), e dificuldade para realizar as atividades diárias (23,5%). Outra recorrência foi de sintomas de ansiedade acima da média nacional (41,9% dos participantes, e 10% para população geral)
A Partir daí, foram avaliados 86 voluntários recuperados de corona há ao menos dois meses e 125 que não tiveram a doença, que foram examinados através de ressonância magnética funcional para serem comparados. E o que se observou foi uma alteração na conectividade de áreas cerebrais durante atividades.
Alteração de conectividade
Conforme explicou Yasuda, enquanto num cérebro normal durante uma atividade certas áreas são ativadas sincronizadamente enquanto outras se mantém em repouso, no cérebro de quem já passou pelo covid-19 há uma hiperconectividade, todas as áreas funcionam em conjunto, tendo uma severa perda de especificidade das redes cerebrais. Desta forma, o cérebro acaba gastando mais energia e tendo uma queda de eficiência.
Os voluntários foram submetidos a testes neuropsicológicos de cognição, foco e memória, e a exames de ressonância magnética, que avaliavam a substância cinzenta, onde ficam os neurônios, e a substância branca, onde ficam as células gliais e os axônios. Nos testes foi detectado que os participantes com sintomas tardios de Covid-19 tinham desempenho abaixo da média brasileira. Enquanto os exames de imagem mostraram redução de regiões do córtex nesses participantes em comparação aos que não tiveram covid, como a região relacionada a ansiedade.
A pesquisa segue em andamento e deverá ter sua amostra de voluntários ampliada e seguir acompanhando os efeitos cerebrais do covid-19 por ao menos três anos. Algumas das investigações a serem feitas são de como o vírus leva a essa modificação cerebral e se isto teria ligação com sintomas tardios como alteração de concentração e memória, fadiga e sonolência diurna, relatada por alguns recuperados. Para isso serão comparados pacientes que apresentam essas sequelas e os que não demonstram sintomas após se curarem.
Se confirmada a ligação entre os sintomas tardios e a disfunção de conectividade cerebral, Yasuda diz que pode-se avaliar o uso de medicamentos e tratamentos para amenizar as sequelas.
Segundo Yasuda, não se sabe ainda como o vírus afeta o cérebro, se de forma direta, infectando células cerebrais ou de forma indireta, pela inflamação. O que se sabe é que é uma doença muito mais complexa que apenas uma gripe e seus efeitos e sequelas serão estudados ao longo dos anos.