A introdução alimentar é um marco importante no desenvolvimento infantil, é quando o bebê começa a experimentar alimentos além do leite. Essa fase pode influenciar diretamente o comportamento alimentar futuro da criança, inclusive no desenvolvimento (ou não) da seletividade alimentar. 

A seletividade alimentar é caracterizada por uma recusa persistente de alimentos, limitação do repertório alimentar e resistência a experimentar novos sabores, texturas ou preparações. Embora seja comum uma fase de neofobia alimentar (medo ou recusa de alimentos novos) por volta dos 2 a 6 anos, quando ela se estende ou se intensifica, pode afetar negativamente a saúde, o crescimento e desenvolvimento da criança. 

O recomendado é iniciar a introdução alimentar a partir dos 6 meses de idade, quando o bebê já apresenta sinais de prontidão, como se sentar com apoio, demonstrar interesse pelos alimentos e coordenar olhos, mão e boca. Esse período é conhecido como janela de oportunidade, pois é quando o paladar está em formação e a aceitação de novos sabores e texturas tende a ser maior. A exposição a variedades de alimentos e consistências desde cedo tem menos risco de desenvolver seletividade no futuro. 

Diversos fatores podem contribuir para o desenvolvimento da seletividade alimentar, como a pressão para comer, uso de telas durante as refeições, rotina alimentar desorganizada e exposição restrita a alimentos. Mas um dos principais aspectos, muitas vezes negligenciados, é o processo de dessensibilização sensorial, que acontece (ou deveria acontecer) ao longo da introdução alimentar. 

A dessensibilização, nesse contexto, é a exposição progressiva e natural da criança a diferentes estímulos sensoriais relacionados a alimentação: texturas, cheiros, temperaturas, sons e sabores. Essa exposição permite que o cérebro da criança reconheça e tolere esses estímulos como seguros, construindo um repertório alimentar mais amplo e flexível. 

O problema pode surgir quando a criança não tem a oportunidade de viver essas experiencias com liberdade. Por exemplo quando só come papinhas lisas por muito tempo e não tem a chance de explorar pedaços ou texturas mais densas, quando é alimentada com colher direto na boca, sem poder tocar, segurar ou manipular os alimentos porque tudo precisa estar “limpo” ou “sem bagunça”, ou quando o momento da refeição é acompanhada de distrações, como o uso de telas, impedindo que a atenção plena ao alimento de desenvolva. 

Esses contextos reduzem as oportunidades de exposição sensorial real, e com isso, a tolerância a alimentos variados fica prejudicada, assim a criança pode rejeitar tudo que lhe parece novo, diferente ou “estranho”, não porque seja manhosa, mas porque seu sistema sensorial não foi acostumado gradualmente com esses estímulos. 

A introdução alimentar é um processo complexo, que envolve o corpo, os sentidos e o afeto. Quando conduzida com respeito, variedade e liberdade de exploração, ela se dessensibiliza aos poucos, tornando-se mais aberta a experimentar, aceitar e confiar no que come, ou seja, esse momento de dessensibilização ativa é um treino natural para o cérebro aprender a lidar com os alimentos.