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Neurofeedback e EEG Quantitativo: Histórico e Desenvolvimento

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O campo de estudo da eletroneurofisiologia é bastante antigo: remonta a 1848, quando Emil du Bois-Reymond, renomado fisiologista alemão, com suas pesquisas na área da eletricidade animal (descoberta por Luigi Galvani no final do século XVIII), primeiro reportou a presença de sinais elétricos nos nervos periféricos de animais (MILLAR et al., 1996). Algumas décadas depois, em 1875, o inglês Richard Caton, baseando-se nos trabalhos de du Bois-Reymond, torna-se o primeiro a registrar a atividade elétrica nos cérebros de macacos e coelhos (BENNETT, 1999). Interessado em saber como o cérebro desses animais respondiam a estímulos visuais, Caton, medindo a atividade elétrica diretamente no cérebro daqueles, verificou que a região occipital do encéfalo respondia sempre que uma luz passava em frente aos olhos dos animais. Os estudos acerca da atividade elétrica do cérebro permaneceram relativamente abandonados durante aproximadamente meio século, até que, em 1924, o psiquiatra alemão Hans Berger realiza um estudo experimental no qual registrava as correntes elétricas no cérebro exposto de um cachorro. Em 1929, Berger descobre que é possível detectar essas correntes elétricas em cérebros intactos, a partir de experimentos com seus próprios familiares (MILLAR, 1996). Utilizando eletrodos de chumbo, zinco e platina, Berger realiza setenta e três registros a partir da cabeça de seu filho adolescente, Klaus. Publica então um trabalho seminal denominado “On the Electroencefalogram in Man” (ROBBINS, 2000). A eletroencefalografia estava inventada.
Nas décadas seguintes, o EEG tornou-se objeto de intenso interesse da parte da psiquiatria e da neurologia, visto que cada vez mais constituía-se numa técnica útil para o diagnóstico de distúrbios neurológicos variados (CANTOR, 1999). Com o advento da computação digital nos anos sessenta e setenta, o EEG tornou-se uma técnica ainda mais precisa, passando a ser conhecida comumente pelo nome de EEG Quantitativo (ou simplesmente QEEG, em inglês).
A relação entre o QEEG e o neurofeedback torna-se então óbvia: aquele primeiro estabelece as bases para que o segundo possa existir. Ou seja, as pesquisas acerca do QEEG vão redundar em toda a tecnologia necessária ao aparecimento dos aparelhos de neurofeedback, que não apenas detectam e registram a atividade elétrica do cérebro, mas também devolvem essa informação (feedback) para o indivíduo.
Todavia, apenas a tecnologia não se constituiu em condição suficiente para o aparecimento do neurofeedback. O outro componente fundamental somente seria adicionado à equação ao final dos anos sessenta, pelo psicólogo norte-americano Barry Sterman, pesquisador da Universidade da Califórnia (UCLA). Inspirado pelas idéias behavioristas de Neal Miller, que havia demonstrado anteriormente a possibilidade de condicionar animais de laboratório a alterar suas funções autônomas, como por exemplo, a freqüência dos batimentos cardíacos e a pressão sangüínea, Sterman, interessado em pesquisar o funcionamento cerebral durante o sono, conduz uma série de experimentos que o levariam paulatinamente à invenção do neurofeedback (ROBBINS, 2000).
Seus primeiros experimentos, em 1965, envolviam apenas treinamento comportamental. Trabalhando com gatos, colocava-os em câmaras experimentais de alumínio, à prova de som, condicionando-os a pressionar uma barra para obter alimento. Os animais tinham parafusos de aço inoxidável presos aos seus crânios, de forma a possibilitar a fácil colocação e retirada dos eletrodos necessários às medições do EEG. Quando os gatos já estavam condicionados a pressionar a barra, Sterman adicionava um novo elemento à condição experimental: um som contínuo de campainha. Se o gato pressionasse a barra enquanto a campainha estivesse soando, este não receberia seu prêmio (leite com pedaços de frango). O gato então deveria aprender a esperar o final do som para então pressionar a barra e obter a comida. Interessado na questão do sono, Sterman esperava que os gatos, durante o período de espera, entrassem numa espécie de estado de inibição do sistema nervoso – ou “micro-sono”, tal como ele o denominou (ROBBINS, 2000) – o que se refletiria nos resultados dos EEGs.
Todavia, o que acontecia era algo muito diferente. Os animais simplesmente sentavam-se imóveis no compartimento e entravam num estado cerebral único: extremamente alerta embora bastante relaxados. Emitiam uma freqüência cerebral nunca antes registrada nos EEGs, que variava de 12 a 15 hertz6. Tal freqüência situava-se na amplitude conhecida comumente como beta, mas sendo emitida por uma parte específica do cérebro: o córtex sensoriomotor. Por isso, Sterman denominou-a de freqüência SMR (“sensorimotor rhythm”) (BUDZINSKY, 1999).
O grande passo foi dado quando, finalmente, Sterman perguntou a si mesmo se seria possível um gato ser operantemente condicionado a criar e manter um determinado ritmo de ondas cerebrais sob seu controle. Com a ajuda de um técnico amigo seu, Sterman construiu um aparato eletrônico que isolava a freqüência SMR do EEG. O experimento foi então modificado para a seguinte configuração: se o gato emitisse as ondas cerebrais na freqüência SMR por meio segundo, um mecanismo automaticamente dispensaria uma pequena quantidade de comida na câmara experimental (agora sem a barra de pressão).
Nos anos que se seguiram, Sterman realizou diversas variações do experimento, condicionando e extinguindo diversas freqüências cerebrais e replicando esses procedimentos com macacos. Finalmente, em 1967 publica seus resultados na prestigiosa Brain Research (ROBBINS, 2000). Contudo, embora seus resultados fossem interessantes – havia sido o primeiro pesquisador a isolar a freqüência SMR, observado suas propriedades em gatos e macacos e treinado os animais a produzi-la, Sterman não conseguira determinar nenhuma aplicabilidade concreta para a sua descoberta (BUDZINSKY, 1999).
Neste mesmo ano Sterman é convidado a investigar um fenômeno de natureza muito diferente: a convite da NASA, a agência espacial norte-americana, passa a estudar os efeitos dos vapores dos combustíveis de foguete sobre o funcionamento cerebral dos astronautas. A inalação, mesmo de uma pequena quantidade de vapores de combustível, era capaz de provocar alucinações e ataques epiléticos. Sterman leva seus gatos para o novo laboratório e passa a realizar experimentos sobre os efeitos da inalação sobre os EEGs dos animais. Descobre que, invariavelmente, a inalação da substância induzia ataques epiléticos nos gatos. Exceto em dez dos cinqüenta que utilizou nos experimentos. Exatamente os dez que haviam participado anteriormente da suas pesquisas sobre o SMR. Aparentemente, o cérebro desses gatos tornara-se funcionalmente diferente: os limiares para o desencadeamento de ataques epiléticos eram muito mais altos nesses do que nos gatos comuns.

Vislumbrando finalmente uma aplicação para sua descoberta, Sterman conduz seus primeiros experimentos com seres humanos em 1971: constrói um aparato, uma simples caixa preta com duas luzes, uma verde e outra vermelha. Da mesma forma que nos experimentos com gatos, o aparelho identificava as ondas SMR do sujeito. Quando este as emitia, a luz verde acendia e, quando não, a vermelha permanecia acesa (ROBBINS, 2000).
Desde então, este princípio básico vem sendo utilizado com o auxílio de equipamentos cada vez mais precisos e sofisticados, e ensejando pesquisas que não cessam de apontar para novas aplicações.

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